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terça-feira, 28 de abril de 2015

O poder de criar X O poder financeiro

Quem não sabe criar consegue atravessar o caminho dos artistas para lucrar. Um atravessador se soma a outros de uma forma tão articulada que quando um livro, um CD, uma obra chega ao mercado, muitas vezes o artista gasta e não recebe nada. Porém, editores, produtores, gravadoras, copiadoras tem participação nos lucros, já que a maioria, previamente, constrói acordos, contratos que engessam quem cria o produto de uma forma, que é impossível escapar e tentar buscar novas vias. Quem tenta ir contra esse esquema, tem as portas fechadas e dificuldades para publicar, divulgar e vender o fruto do trabalho.
Quando decidi publicar o meu primeiro livro, procurei conhecer o funcionamentos das editoras. Todo meu tempo de criação, seria determinado por elas, que receberiam a maior parte dos lucros. Quando o livro fosse para uma livraria, o preço seria elevado e os meus rendimentos, reduzidos. Claro, teria divulgação proporcional ao que me fosse retirado e o material colocado nas prateleiras. Leitores interessados, comprariam por um preço alto, pensando até que enriqueceriam a escritora. Que receberia R$1,00 ou R$2,00 por exemplar vendido. Bem, então pensei e decidi seguir por outro caminho. 
Havia pedido demissão de um emprego e recebi uma verba que destinei à confecção do livro. Em seguida corri atrás de patrocínio para complementar o total. Bati em várias portas, pedi ajuda e no final, meu livro estava pronto e foi lançado com um coquetel numa livraria renomada localizada em um dos melhores shopping de Salvador. Meus verdadeiros amigos estavam lá. Adquiriram exemplares, conversaram, tomaram vinho e foi inesquecível. Tenho a imagem de cada instante mágico daquele evento. Inclusive, Hélio Pólvora, grande escritor e membro da Academia Baiana de Letras, que faleceu recentemente, estava lá. 
Com os livros em mãos, lancei em eventos no interior, fiz palestras em escolas e pude vender por R$10,00 e também doar muitos para quem gostava de ler. Calculando tudo, o resultado foi extremamente satisfatório e restam somente 10% dos exemplares. Todavia, a maior alegria foi de ver jovens devorando os contos. Isso não teve preço! 
Contando assim, parece fácil. Contudo foram quase dez anos entre o primeiro conto escrito e o processo de finalização. Partir para vias alternativas requer desenvoltura, coragem para pedir e um bom projeto. Só que livro é como um filho, após o parto é preciso cuidar para que cresça. Então é a vez de inseri-lo na sociedade. Quem decide trilhar pelo mesmo caminho deve estar ciente de que livrarias querem um nome de editora. Certamente há acordos entre elas para que lucrem, pois um livro estando pronto, nem sempre tem seu valor pelo conteúdo. Mas enquanto escritora, se tentar vender algo sem qualidade, ponho o meu nome em jogo.
Já na música, a situação é ainda pior. Além dos atravessadores, há os proprietários dos meios de comunicação e alguns radialistas sem escrúpulos, que só abrem o mercado para quem paga. É o famoso "jabá". Os demais, por melhores que sejam, são humilhados, gastam o que não tem e ainda que tenham projetos aprovados, não conseguem patrocinadores. Há redes formadas por estúdios de gravação, gráficas, rádios que tornam o produto final do artista caro para o consumidor, ou desconhecido. Sem falar que a indústria cultural não quer cabeças pensantes, assim criam ou pegam grupos cujas letras e canções são de qualidade duvidosa e investem para que toquem dia e noite nas emissoras. Resultado, ainda que o cidadão odeie aquilo, por onde passa, escutará e mentalizará refrões. É tão grave que mulheres e até meninas pequenas cantam músicas que distorcem a imagem feminina, incitam a violência e o tráfico. A depender do Estado, isso é mais grave.
O fato é que a legislação deixa o poder de escolha daquilo que a população ouvirá, nas mãos de poucos. Uma rádio precisa ser registrada e o processo é caro, longo. A aprovação, difícil. Assim, parece piada afirmar que há democracia no setor. Entretanto, atualmente temos a internet, as redes sociais, como opção. Grupos como o Teatro Mágico, tem seus espetáculos lotados, graças à rede. Deixaram muitos urubus babando. 
Dessa maneira, o poder de criar pode ser barrado pelo poder financeiro. Ou melhor, um artista talentoso pode morrer no anonimato por não ter verba ou se opor ao sistema instituído. Os governantes não sabem? Sim, sabem. Mas permitem que andemos a passos de tartarugas em relação à cultura. Atualmente, ter um projeto aprovado pelo Fazcultura, pode não significar nada, a partir do momento que não há empresas dispostas a patrocinar.  Ou que estão envolvidas com os mesmos que lucram nas costas dos artistas. 
Mas o que me deixa realmente irritada é a falta de união da classe artística. Acostumados a esses esquemas, muitos preferem se submeter e até rastejar diante dos "poderosos", do que formar redes, unirem-se, fortalecerem-se em grupos. Com unidade, parte desse esquema perverso, ruiria. A população conheceria a força da arte. Há espaço para todos que nascem com o dom de criar. Porque ceder aos que só sabem explorar? Mas enquanto isso não acontece, o dinheiro rende nos bolsos errados. E pessoas, sem saber, dão o seu dinheiro para quem já detém o poder financeiro. O artista continua pobre, desrespeitado, sem espaço ou escravizado. Como diz Caetano, é "o poder da grana que ergue e destrói coisas belas".